Grã-Bretanha: as eleições e a crise econômica
Leia abaixo a análise sobre a atual situação política e social na Grã-Bretanha. O artigo foi escrito por Bill Hunter, dirigente da International Socialista League – ISL, seção da LIT no país.
Bill Hunter, de Londres
As eleições gerais britânicas, realizada em 6 de maio, produziram um governo de coalizão entre conservadores e liberal democratas, a primeira coligação desse tipo do Tory (partido conservador) desde o período de 1931 a 1945.
A campanha intensiva dos meios de comunicação sobre a campanha eleitoral não correspondeu à falta de entusiasmo sentida pela maioria dos trabalhadores. Portanto, houve uma tentativa de gerar interesse em um nível de campanha presidencial americana, com debates de TV entre os três líderes dos partidos e, em seguida, novas tentativas para animar o clima com a previsão de que o governante Partido Trabalhista seria empurrado para o terceiro lugar pelo "Obama" chamado Nick Clegg e seu partido liberal democrata. De acordo com as pesquisas, era provável que seu partido dobrasse o número de assentos parlamentares que poderia ganhar.
No entanto, apesar de um governo trabalhista profundamente impopular, os liberais democratas na verdade acabaram com menos assentos que na última legislatura, e os Tories não conseguiram ganhar o controle total. Havia um medo real sentido pelos trabalhadores de um retorno ao governo conservador, que conduziu a um aumento na votação dos trabalhistas.
A eleição foi seguida de pouco mais de uma semana de decisões e acordos de bastidores que resultaram na assinatura de um acordo dos liberais democratas com os Tories. Descartando assim alguns de seus duradouros "princípios" para formar um governo de coalizão com os conservadores.
O futuro deste governo é desconhecido, e é provável que os dois partidos vivam maus bocados, na medida em que os princípios são comprados e vendidos. Mas a única certeza é que a classe operária vai ver futuras tentativas de prejudicar os seus direitos e qualidade de vida, que irão aguçar conflitos dentro dos dois partidos. À medida que a campanha da liderança do Partido Trabalhista não funcionou, os candidatos estão falando sobre o "próximo" trabalhismo, “confessando” que os erros anteriores foram em não ser fortes o suficiente em matéria de imigração, comportamento anti-social e benefícios sociais. Sem mudança de direção, há uma continuidade na passagem mais à direita, a fim de aumentar e aprofundar o controle sobre a classe trabalhadora.
Esta eleição demonstrou claramente o nível de consenso entre os três partidos na maioria das políticas, e também no que diz respeito à crise financeira e ao nível de endividamento. Não há margem para dúvidas de que a intenção é golpear a classe operária e fazê-la pagar.
Alternativas
As principais alternativas de esquerda nas eleições eram quase invisíveis, o que incluiu a Coalizão Socialista e Sindical controlada pelo Partido Socialista, o Partido Socialista dos Trabalhadores e o radical Respeito, liderado por George Galloway. Com poucas exceções, todos os assentos ganhos por um candidato de extrema-esquerda em 2005 viram um declínio acentuado de votação em 6 de maio.
A corrente Respeito tem uma base na classe trabalhadora asiática. Ela alcançou os melhores resultados com Abjol Miah em Londres (16,8% - terceiro), Salma Yaqoob em Birmingham (25,1% - segundo) e George Galloway em Londres, que perdeu seu assento parlamentar, com 8.160 votos (17,5 %). Como a Grã-Bretanha não tem nenhuma representação proporcional, nenhum assento foi ganho com estes resultados. Em geral, suas raízes nas comunidades da classe trabalhadora são limitadas.
Tanto o Partido Nacional Britânico (fascista) e o Partido da Independência do Reino Unido (extremamente antiimigrante) ganharam votos significativos, mas eles não ganharam assentos parlamentares. As principais posições tomadas pelos dois partidos de extrema direita são antimuçulmanas e antiimigração. No entanto, todos os principais partidos apoiam o reforço das leis antiimigração, e os liberais democratas seguirão este caminho. Estas são perguntas-chave que devem ser abordadas na construção de qualquer movimento para combater os ataques do capitalismo em toda a classe trabalhadora.
A crise da dívida
A quebra da economia no mundo e na Grã Bretanha em 2008 foi citada ao longo das eleições como algo que já passou, e que há uma lenta recuperação em curso. Não houve sugestão de que estamos no início de um novo período de queda. Os três principais partidos proclamam publicamente que estamos fora do pior da crise e em fase de recuperação, já que os bancos foram socorridos, e que agora é apenas uma questão de pagar a dívida pública. Houve também um acordo total de que o setor público e a classe trabalhadora terão que pagar uma dívida contraída pelos bancos e especuladores financeiros. Os partidos só diferiam quanto à questão de quando e em que velocidade.
A dívida do Reino Unido até o final de 2010 está prevista para estar acima de 180 bilhões de libras, o que fará com que seja o maior devedor da Europa. A dívida total da Grã-Bretanha tem crescido ao longo dos anos, passando de menos de 40% do PIB para 60%. Desde 2008, futuras quebras foram evitadas pelo programa de compra de títulos maciço realizado pelo Banco da Inglaterra - proporcionalmente, este foi o maior do mundo. Isto tem mantido até agora as taxas de hipoteca em níveis anormalmente baixos.
O governo britânico foi capaz de financiar um déficit orçamental de 12,5% do PIB, o equivalente ao da Grécia, a uma taxa de juros de mais de dois pontos percentuais inferior, e só porque o Banco da Inglaterra comprou a maioria dos títulos que emitiu no ano passado. Mas é incapaz de sustentar a compra a tal nível.
Sucessivos governos têm ocultado a dimensão da dívida, por exemplo, todas as dívidas devidas a empresas privadas através da PFI (Iniciativa Financeira Privada) são definidas como não sendo parte da dívida pública; e também exclui do cálculo a conta de pensões que o governo vai ter que pagar.
A precariedade da economia britânica tornou-se visível em 2007, quando os mercados financeiros internacionais começaram a elevar as taxas de juros. Isso levou o Northern Rock Bank à falência e ameaçou muitos outros bancos e sociedades.
O declínio da indústria
Após a Segunda Guerra Mundial, quase metade dos trabalhadores na Grã-Bretanha estavam empregados na indústria de transformação, e hoje essa produção responde por apenas 13% da economia. A indústria, que já representou quase 40% da produção do Reino Unido, agora responde por menos de 20%. Mesmo durante os chamados anos de boom da era Blair, estava em declínio, e tem diminuído progressivamente ao longo dos últimos 30 anos, em parte devido à concorrência do exterior. É o setor financeiro e o de serviços que têm crescido com um nível extraordinariamente maior de capital especulativo.
A crise econômica mundial continua, e a concorrência capitalista dos EUA, Europa, China e outros países está minando a economia britânica. A continuação da crise está dando à Alemanha e à França um controle reforçado da Europa, ao mesmo tempo em que procuram expulsar o capital britânico de suas fortalezas na Europa.
O jornal Financial Times e comentaristas burgueses têm sugerido que a única saída para a atual crise é aumentar as exportações britânicas, porém, a causa fundamental da crise é o excesso da produção de commodities. Então, retomar a indústria britânica está fora de questão.
Governos de coalizão
O Partido Trabalhista recebeu uma menor percentagem de votos do que durante a depressão da década de 1930. Em 1931, um governo nacional de conservadores, liberais e “traidores” trabalhistas tomou o poder. Essa aliança começou fazendo ataques maciços contra a classe trabalhadora. Eles reduziram drasticamente o seguro-desemprego em 20%, introduziram um brutal programa assistencialista baseado na renda (o “means test”), que separou famílias, mandaram muitos trabalhadores para as desumanas e degradantes “casas de trabalho”, e levaram milhões para uma pobreza profunda e duradoura. A economia só começou a se recuperar no curso da nova guerra mundial e nunca se recuperou completamente até depois da guerra, com o "boom" começando apenas nos anos 1950.
O novo governo de coalizão falou suavemente quando tomou posse, mas quase que imediatamente começou a empunhar o machado. Eles anunciaram 6 bilhões de libras em cortes sobre o que já estava em curso, como o corte de 1 bilhão de libras sobre o ensino superior que começou este ano, sob o governo trabalhista. Então, em 18 de maio, a organização de patrões (CBI) exigiu um congelamento dos salários de dois anos para o setor público e a privatização dos restantes serviços públicos.
O governo está ciente de que, impondo medidas de austeridade contra a classe trabalhadora, corre o risco de viver uma situação “grega” e, como diz o ditado, está tentando "pegar um tigre pelo rabo", porque eles temem que sejam comidos!
Hoje, o governo, com a ajuda das burocracias sindicais, vai procurar amarrar os trabalhadores. Mas os trabalhadores não estão derrotados como estiveram nos anos 1930, e vivem em um continente onde os trabalhadores são fortes e já estão fortemente resistindo aos ataques e às medidas de austeridade impostas sobre eles, como na Grécia.
Traições dos trabalhistas
Agindo cuidadosamente, o governo de coalizão não anunciou uma completa privatização dos correios, algo que os governos Thatcher e Blair não conseguiram, devido à militância dos trabalhadores do setor e ao apoio do público. Um plano foi anunciado para a "privatização parcial da Royal Mail (...) uma injeção de capital privado na Royal Mail, mas que manterá a estatal de propriedade pública em geral", já que o medo das reações dos trabalhadores continua forte.
O trabalhismo se tornou profundamente impopular entre os trabalhadores, que se sentiram traídos e excluídos por causa das privatizações, do aumento da desigualdade, da decadência do Serviço Nacional de Saúde (NHS), das leis sindicais, do aumento do desemprego e do trabalho precário, das guerras no Iraque e no Afeganistão, do escândalo das despesas de parlamentares etc.
O direito dos trabalhadores à greve foi atacado por uma série de leis dos trabalhistas, em uma tentativa de controlar o crescente descontentamento. Durante o ano passado, o sindicato dos transportes (RMT) teve sete greves declaradas ilegais pelos tribunais. Este ano o Unison, o sindicato do setor público, foi forçado a cancelar a greve pela mesma razão.
Desemprego
Na Inglaterra, o desemprego continua crescendo desde a crise financeira de 2008. Mesmo assim, durante a campanha eleitoral, os três partidos não falaram sobre o desemprego, quando isso é de interesse central para a maioria dos trabalhadores. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, "a taxa de desemprego nos três primeiros meses de 2010 foi de 8%, 0,2% mais que no trimestre anterior", que é o valor mais elevado desde os três últimos meses de 1994.
No entanto, isso é apenas um flash da situação, porque o número de empregados e trabalhadores por conta própria trabalhando em meio período porque não conseguiram encontrar um emprego a tempo completo aumentou em 25 mil no trimestre para alcançar 1,07 milhão, o número mais elevado desde que os registros comparáveis começaram, em 1992. O número de empregos a tempo integral caiu em 103 mil, e o número de empregos a tempo parcial aumentou em 27 mil.
Os que pedem o seguro-desemprego (provisão para procurar emprego) diminuíram no mesmo período para 1,52 milhão, mas a taxa de emprego foi de 72%. Isso é devido aos enormes obstáculos criados pelo governo trabalhista enfrentados pelos trabalhadores quando pedem o benefício, medidas que começam a refletir as duríssimas medidas dos anos 1930.
Desafios para o futuro
A legislação antisindicatos é um desafio central para o movimento sindical. Até agora, as principais lideranças sindicais aceitaram mais de 30 anos da legislação antisindical, sem realmente tentar combatê-la, enquanto alguns setores de trabalhadores, como o dos correios, agentes penitenciários e trabalhadores da construção civil do petróleo têm muitas vezes ignorado as leis, e o Estado tem sido incapaz de deter seus movimentos.
As correntes de esquerda nos sindicatos devem fazer um chamado nacional para forçar os seus sindicatos a se preparar para os ataques que estão chegando. Haverá profundas e contínuas medidas de austeridade, os maiores ataques desde os anos 1930. Salários e condições de trabalho, o estado de bem-estar social e os serviços públicos foram ganhos devido a longas e duras lutas dos trabalhadores, mas eles vão desaparecer ou ser drasticamente reduzidos se uma luta para mantê-los não está preparada. Os dirigentes sindicais estão apenas com medo de perder suas finanças e aparatos, então irão conduzir uma luta nos tribunais, mas não estão dispostos a lutar nas ruas. No entanto, quando os trabalhadores expressam sua raiva à medida que o desemprego aumenta e os ataques começam, os sócios dos sindicatos começam a perceber a necessidade de uma verdadeira liderança trabalhista.
Criminalização dos trabalhadores e “islamofobia”
Existem três leis que constituem os maiores perigos para a classe trabalhadora e que estão relacionadas: as leis antissindicatos, os controles de imigração e as chamadas leis antiterror. O principal objetivo desta legislação é dividir a classe trabalhadora, aumentando o clima de "medo" e a desconfiança, procurando culpar os "outros" pela crise econômica, o desemprego e a destruição dos serviços.
No ano passado, 12 estudantes paquistaneses foram presos em Liverpool e Manchester através das leis antiterror. Gordon Brown anunciou então que um grande complô terrorista tinha sido evitado. No entanto, a polícia, que poderia tê-los prendido por 28 dias, liberou todos eles após 14 dias sem acusação formal, pois não houve provas. No entanto, eles foram mantidos na prisão sob a lei de imigração porque seus vistos de estudante haviam sido revogados, por isso foi também alegado que eles representavam uma "ameaça à segurança nacional".
O juiz de imigração "ofereceu" aos alunos a opção de retornar ao Paquistão, ou permanecer na prisão por pelo menos mais 18 meses. A maioria voltou para casa, mas dois permaneceram na Inglaterra para lutar e limpar seus nomes. No entanto, embora eles tenham vencido a deportação forçada, enfrentam "o pior dos mundos" e estão sujeitos às ordens de controle notoriamente brutais e cruéis. A nova coalizão, infectada pelo clima histérico que foi estabelecido pelo novo governo trabalhista, e a indiferente e viciada mídia não conseguiram sequer questionar qualquer possibilidade de sua inocência, rotulando-os de terroristas ligados a uma trama da Al Qaeda. O veredicto do tribunal kafkiano secreto, SIAC, condenou esses jovens sem ter que revelar a eles ou a qualquer outra pessoa qualquer prova ou evidência usada para condená-los.
As leis antiterroristas têm sido usadas contra um operário da construção que faz um piquete, militantes que viajam para a conferência do clima de Copenhagen para protestar e muitos outros manifestantes pacíficos. O problema é que a maioria das lideranças sindicais está ignorando esses ataques, como fazem os principais grupos revolucionários na Grã-Bretanha, como o Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) e o Partido Socialista, que não têm programa de luta contra essas leis como um todo. Mas essas leis estão prontas para serem aplicadas a cada pessoa na Grã-Bretanha e serão utilizadas para criminalizar o conjunto da classe trabalhadora, quando necessário.
Lutas da classe operária
Enquanto este artigo estava sendo escrito, uma greve não oficial começou perto de Liverpool em um estaleiro que se opõe à ameaça de demissões devido às encomendas em declínio. Uma série de greves contra os ataques à educação têm sido bem sucedidas, e receberam grande apoio das comunidades locais. Os funcionários da British Airways estão prestes a realizar uma greve de cinco dias. Isto ocorre após um recurso bem-sucedido em uma sentença anterior dizendo que a greve era "ilegal". Estas e outras lutas atualmente desconectadas são a expressão do descontentamento crescente que já existe por baixo de uma aparentemente “tranquila” superfície.
Os ataques de austeridade contra os trabalhadores na Grécia estão aparecendo antes que para os trabalhadores na Grã-Bretanha. As correntes sindicais de esquerda devem estar preparadas para apoiar os movimentos de greve iminente, incluindo as greves 'não oficiais' e as lutas contra as leis racistas e antimuçulmanas de imigração, além das leis "antiterror". Aqueles que querem dar liderança à classe só podem fazê-lo através da construção de movimentos por princípio internacionalistas na classe operária. Eles têm que construir o movimento de desempregados nas comunidades e sindicatos e defender todos os trabalhadores.
Os planos de austeridade são paralelos ao “poll tax” (cobrança de Thatcher de um imposto comunitário a todos os trabalhadores), já que eles vão atacar todos os setores dos trabalhadores, ao mesmo tempo. Como a luta anti-“poll tax”, em 1990, dos mineiros, em 1985, e dos estivadores, em 1997, não há dúvida de que haverá uma luta tremenda em uma situação nova, onde as convulsões internacionais serão ampliadas em um capitalismo britânico cada vez mais decadente.
Em maio, o Financial Times informou que a dívida terá de ser paga novamente em 50 bilhões de libras por ano, por muitos anos, e que o governo terá de enfrentar o desafio político. Sem sombra de dúvidas, eles estão olhando para a Grécia. Estamos entrando em tempos interessantes e voláteis, na medida em que todas as promessas do pós-guerra estão prestes a ruir, como o estado do bem-estar social, graças aos movimentos de massas dos trabalhadores britânicos, que obrigaram o capitalismo a ceder.
O período de recessão, com seus fluxos e refluxos, impulsionado pela evolução da situação internacional e pelo papel da Grã-Bretanha no mundo, abre um período revolucionário. Na superfície, a Grã-Bretanha parece muito longe disso, mas basear um prognóstico nos acontecimentos aparentes seria cair no velho inimigo do marxismo, o empirismo britânico. A mensagem para a classe operária foi colocada audaciosamente nas muralhas da Acrópole, na Grécia: "povos da Europa, levantam-se!”.
Leia abaixo a análise sobre a atual situação política e social na Grã-Bretanha. O artigo foi escrito por Bill Hunter, dirigente da International Socialista League – ISL, seção da LIT no país.
Bill Hunter, de Londres
As eleições gerais britânicas, realizada em 6 de maio, produziram um governo de coalizão entre conservadores e liberal democratas, a primeira coligação desse tipo do Tory (partido conservador) desde o período de 1931 a 1945.
A campanha intensiva dos meios de comunicação sobre a campanha eleitoral não correspondeu à falta de entusiasmo sentida pela maioria dos trabalhadores. Portanto, houve uma tentativa de gerar interesse em um nível de campanha presidencial americana, com debates de TV entre os três líderes dos partidos e, em seguida, novas tentativas para animar o clima com a previsão de que o governante Partido Trabalhista seria empurrado para o terceiro lugar pelo "Obama" chamado Nick Clegg e seu partido liberal democrata. De acordo com as pesquisas, era provável que seu partido dobrasse o número de assentos parlamentares que poderia ganhar.
No entanto, apesar de um governo trabalhista profundamente impopular, os liberais democratas na verdade acabaram com menos assentos que na última legislatura, e os Tories não conseguiram ganhar o controle total. Havia um medo real sentido pelos trabalhadores de um retorno ao governo conservador, que conduziu a um aumento na votação dos trabalhistas.
A eleição foi seguida de pouco mais de uma semana de decisões e acordos de bastidores que resultaram na assinatura de um acordo dos liberais democratas com os Tories. Descartando assim alguns de seus duradouros "princípios" para formar um governo de coalizão com os conservadores.
O futuro deste governo é desconhecido, e é provável que os dois partidos vivam maus bocados, na medida em que os princípios são comprados e vendidos. Mas a única certeza é que a classe operária vai ver futuras tentativas de prejudicar os seus direitos e qualidade de vida, que irão aguçar conflitos dentro dos dois partidos. À medida que a campanha da liderança do Partido Trabalhista não funcionou, os candidatos estão falando sobre o "próximo" trabalhismo, “confessando” que os erros anteriores foram em não ser fortes o suficiente em matéria de imigração, comportamento anti-social e benefícios sociais. Sem mudança de direção, há uma continuidade na passagem mais à direita, a fim de aumentar e aprofundar o controle sobre a classe trabalhadora.
Esta eleição demonstrou claramente o nível de consenso entre os três partidos na maioria das políticas, e também no que diz respeito à crise financeira e ao nível de endividamento. Não há margem para dúvidas de que a intenção é golpear a classe operária e fazê-la pagar.
Alternativas
As principais alternativas de esquerda nas eleições eram quase invisíveis, o que incluiu a Coalizão Socialista e Sindical controlada pelo Partido Socialista, o Partido Socialista dos Trabalhadores e o radical Respeito, liderado por George Galloway. Com poucas exceções, todos os assentos ganhos por um candidato de extrema-esquerda em 2005 viram um declínio acentuado de votação em 6 de maio.
A corrente Respeito tem uma base na classe trabalhadora asiática. Ela alcançou os melhores resultados com Abjol Miah em Londres (16,8% - terceiro), Salma Yaqoob em Birmingham (25,1% - segundo) e George Galloway em Londres, que perdeu seu assento parlamentar, com 8.160 votos (17,5 %). Como a Grã-Bretanha não tem nenhuma representação proporcional, nenhum assento foi ganho com estes resultados. Em geral, suas raízes nas comunidades da classe trabalhadora são limitadas.
Tanto o Partido Nacional Britânico (fascista) e o Partido da Independência do Reino Unido (extremamente antiimigrante) ganharam votos significativos, mas eles não ganharam assentos parlamentares. As principais posições tomadas pelos dois partidos de extrema direita são antimuçulmanas e antiimigração. No entanto, todos os principais partidos apoiam o reforço das leis antiimigração, e os liberais democratas seguirão este caminho. Estas são perguntas-chave que devem ser abordadas na construção de qualquer movimento para combater os ataques do capitalismo em toda a classe trabalhadora.
A crise da dívida
A quebra da economia no mundo e na Grã Bretanha em 2008 foi citada ao longo das eleições como algo que já passou, e que há uma lenta recuperação em curso. Não houve sugestão de que estamos no início de um novo período de queda. Os três principais partidos proclamam publicamente que estamos fora do pior da crise e em fase de recuperação, já que os bancos foram socorridos, e que agora é apenas uma questão de pagar a dívida pública. Houve também um acordo total de que o setor público e a classe trabalhadora terão que pagar uma dívida contraída pelos bancos e especuladores financeiros. Os partidos só diferiam quanto à questão de quando e em que velocidade.
A dívida do Reino Unido até o final de 2010 está prevista para estar acima de 180 bilhões de libras, o que fará com que seja o maior devedor da Europa. A dívida total da Grã-Bretanha tem crescido ao longo dos anos, passando de menos de 40% do PIB para 60%. Desde 2008, futuras quebras foram evitadas pelo programa de compra de títulos maciço realizado pelo Banco da Inglaterra - proporcionalmente, este foi o maior do mundo. Isto tem mantido até agora as taxas de hipoteca em níveis anormalmente baixos.
O governo britânico foi capaz de financiar um déficit orçamental de 12,5% do PIB, o equivalente ao da Grécia, a uma taxa de juros de mais de dois pontos percentuais inferior, e só porque o Banco da Inglaterra comprou a maioria dos títulos que emitiu no ano passado. Mas é incapaz de sustentar a compra a tal nível.
Sucessivos governos têm ocultado a dimensão da dívida, por exemplo, todas as dívidas devidas a empresas privadas através da PFI (Iniciativa Financeira Privada) são definidas como não sendo parte da dívida pública; e também exclui do cálculo a conta de pensões que o governo vai ter que pagar.
A precariedade da economia britânica tornou-se visível em 2007, quando os mercados financeiros internacionais começaram a elevar as taxas de juros. Isso levou o Northern Rock Bank à falência e ameaçou muitos outros bancos e sociedades.
O declínio da indústria
Após a Segunda Guerra Mundial, quase metade dos trabalhadores na Grã-Bretanha estavam empregados na indústria de transformação, e hoje essa produção responde por apenas 13% da economia. A indústria, que já representou quase 40% da produção do Reino Unido, agora responde por menos de 20%. Mesmo durante os chamados anos de boom da era Blair, estava em declínio, e tem diminuído progressivamente ao longo dos últimos 30 anos, em parte devido à concorrência do exterior. É o setor financeiro e o de serviços que têm crescido com um nível extraordinariamente maior de capital especulativo.
A crise econômica mundial continua, e a concorrência capitalista dos EUA, Europa, China e outros países está minando a economia britânica. A continuação da crise está dando à Alemanha e à França um controle reforçado da Europa, ao mesmo tempo em que procuram expulsar o capital britânico de suas fortalezas na Europa.
O jornal Financial Times e comentaristas burgueses têm sugerido que a única saída para a atual crise é aumentar as exportações britânicas, porém, a causa fundamental da crise é o excesso da produção de commodities. Então, retomar a indústria britânica está fora de questão.
Governos de coalizão
O Partido Trabalhista recebeu uma menor percentagem de votos do que durante a depressão da década de 1930. Em 1931, um governo nacional de conservadores, liberais e “traidores” trabalhistas tomou o poder. Essa aliança começou fazendo ataques maciços contra a classe trabalhadora. Eles reduziram drasticamente o seguro-desemprego em 20%, introduziram um brutal programa assistencialista baseado na renda (o “means test”), que separou famílias, mandaram muitos trabalhadores para as desumanas e degradantes “casas de trabalho”, e levaram milhões para uma pobreza profunda e duradoura. A economia só começou a se recuperar no curso da nova guerra mundial e nunca se recuperou completamente até depois da guerra, com o "boom" começando apenas nos anos 1950.
O novo governo de coalizão falou suavemente quando tomou posse, mas quase que imediatamente começou a empunhar o machado. Eles anunciaram 6 bilhões de libras em cortes sobre o que já estava em curso, como o corte de 1 bilhão de libras sobre o ensino superior que começou este ano, sob o governo trabalhista. Então, em 18 de maio, a organização de patrões (CBI) exigiu um congelamento dos salários de dois anos para o setor público e a privatização dos restantes serviços públicos.
O governo está ciente de que, impondo medidas de austeridade contra a classe trabalhadora, corre o risco de viver uma situação “grega” e, como diz o ditado, está tentando "pegar um tigre pelo rabo", porque eles temem que sejam comidos!
Hoje, o governo, com a ajuda das burocracias sindicais, vai procurar amarrar os trabalhadores. Mas os trabalhadores não estão derrotados como estiveram nos anos 1930, e vivem em um continente onde os trabalhadores são fortes e já estão fortemente resistindo aos ataques e às medidas de austeridade impostas sobre eles, como na Grécia.
Traições dos trabalhistas
Agindo cuidadosamente, o governo de coalizão não anunciou uma completa privatização dos correios, algo que os governos Thatcher e Blair não conseguiram, devido à militância dos trabalhadores do setor e ao apoio do público. Um plano foi anunciado para a "privatização parcial da Royal Mail (...) uma injeção de capital privado na Royal Mail, mas que manterá a estatal de propriedade pública em geral", já que o medo das reações dos trabalhadores continua forte.
O trabalhismo se tornou profundamente impopular entre os trabalhadores, que se sentiram traídos e excluídos por causa das privatizações, do aumento da desigualdade, da decadência do Serviço Nacional de Saúde (NHS), das leis sindicais, do aumento do desemprego e do trabalho precário, das guerras no Iraque e no Afeganistão, do escândalo das despesas de parlamentares etc.
O direito dos trabalhadores à greve foi atacado por uma série de leis dos trabalhistas, em uma tentativa de controlar o crescente descontentamento. Durante o ano passado, o sindicato dos transportes (RMT) teve sete greves declaradas ilegais pelos tribunais. Este ano o Unison, o sindicato do setor público, foi forçado a cancelar a greve pela mesma razão.
Desemprego
Na Inglaterra, o desemprego continua crescendo desde a crise financeira de 2008. Mesmo assim, durante a campanha eleitoral, os três partidos não falaram sobre o desemprego, quando isso é de interesse central para a maioria dos trabalhadores. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, "a taxa de desemprego nos três primeiros meses de 2010 foi de 8%, 0,2% mais que no trimestre anterior", que é o valor mais elevado desde os três últimos meses de 1994.
No entanto, isso é apenas um flash da situação, porque o número de empregados e trabalhadores por conta própria trabalhando em meio período porque não conseguiram encontrar um emprego a tempo completo aumentou em 25 mil no trimestre para alcançar 1,07 milhão, o número mais elevado desde que os registros comparáveis começaram, em 1992. O número de empregos a tempo integral caiu em 103 mil, e o número de empregos a tempo parcial aumentou em 27 mil.
Os que pedem o seguro-desemprego (provisão para procurar emprego) diminuíram no mesmo período para 1,52 milhão, mas a taxa de emprego foi de 72%. Isso é devido aos enormes obstáculos criados pelo governo trabalhista enfrentados pelos trabalhadores quando pedem o benefício, medidas que começam a refletir as duríssimas medidas dos anos 1930.
Desafios para o futuro
A legislação antisindicatos é um desafio central para o movimento sindical. Até agora, as principais lideranças sindicais aceitaram mais de 30 anos da legislação antisindical, sem realmente tentar combatê-la, enquanto alguns setores de trabalhadores, como o dos correios, agentes penitenciários e trabalhadores da construção civil do petróleo têm muitas vezes ignorado as leis, e o Estado tem sido incapaz de deter seus movimentos.
As correntes de esquerda nos sindicatos devem fazer um chamado nacional para forçar os seus sindicatos a se preparar para os ataques que estão chegando. Haverá profundas e contínuas medidas de austeridade, os maiores ataques desde os anos 1930. Salários e condições de trabalho, o estado de bem-estar social e os serviços públicos foram ganhos devido a longas e duras lutas dos trabalhadores, mas eles vão desaparecer ou ser drasticamente reduzidos se uma luta para mantê-los não está preparada. Os dirigentes sindicais estão apenas com medo de perder suas finanças e aparatos, então irão conduzir uma luta nos tribunais, mas não estão dispostos a lutar nas ruas. No entanto, quando os trabalhadores expressam sua raiva à medida que o desemprego aumenta e os ataques começam, os sócios dos sindicatos começam a perceber a necessidade de uma verdadeira liderança trabalhista.
Criminalização dos trabalhadores e “islamofobia”
Existem três leis que constituem os maiores perigos para a classe trabalhadora e que estão relacionadas: as leis antissindicatos, os controles de imigração e as chamadas leis antiterror. O principal objetivo desta legislação é dividir a classe trabalhadora, aumentando o clima de "medo" e a desconfiança, procurando culpar os "outros" pela crise econômica, o desemprego e a destruição dos serviços.
No ano passado, 12 estudantes paquistaneses foram presos em Liverpool e Manchester através das leis antiterror. Gordon Brown anunciou então que um grande complô terrorista tinha sido evitado. No entanto, a polícia, que poderia tê-los prendido por 28 dias, liberou todos eles após 14 dias sem acusação formal, pois não houve provas. No entanto, eles foram mantidos na prisão sob a lei de imigração porque seus vistos de estudante haviam sido revogados, por isso foi também alegado que eles representavam uma "ameaça à segurança nacional".
O juiz de imigração "ofereceu" aos alunos a opção de retornar ao Paquistão, ou permanecer na prisão por pelo menos mais 18 meses. A maioria voltou para casa, mas dois permaneceram na Inglaterra para lutar e limpar seus nomes. No entanto, embora eles tenham vencido a deportação forçada, enfrentam "o pior dos mundos" e estão sujeitos às ordens de controle notoriamente brutais e cruéis. A nova coalizão, infectada pelo clima histérico que foi estabelecido pelo novo governo trabalhista, e a indiferente e viciada mídia não conseguiram sequer questionar qualquer possibilidade de sua inocência, rotulando-os de terroristas ligados a uma trama da Al Qaeda. O veredicto do tribunal kafkiano secreto, SIAC, condenou esses jovens sem ter que revelar a eles ou a qualquer outra pessoa qualquer prova ou evidência usada para condená-los.
As leis antiterroristas têm sido usadas contra um operário da construção que faz um piquete, militantes que viajam para a conferência do clima de Copenhagen para protestar e muitos outros manifestantes pacíficos. O problema é que a maioria das lideranças sindicais está ignorando esses ataques, como fazem os principais grupos revolucionários na Grã-Bretanha, como o Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) e o Partido Socialista, que não têm programa de luta contra essas leis como um todo. Mas essas leis estão prontas para serem aplicadas a cada pessoa na Grã-Bretanha e serão utilizadas para criminalizar o conjunto da classe trabalhadora, quando necessário.
Lutas da classe operária
Enquanto este artigo estava sendo escrito, uma greve não oficial começou perto de Liverpool em um estaleiro que se opõe à ameaça de demissões devido às encomendas em declínio. Uma série de greves contra os ataques à educação têm sido bem sucedidas, e receberam grande apoio das comunidades locais. Os funcionários da British Airways estão prestes a realizar uma greve de cinco dias. Isto ocorre após um recurso bem-sucedido em uma sentença anterior dizendo que a greve era "ilegal". Estas e outras lutas atualmente desconectadas são a expressão do descontentamento crescente que já existe por baixo de uma aparentemente “tranquila” superfície.
Os ataques de austeridade contra os trabalhadores na Grécia estão aparecendo antes que para os trabalhadores na Grã-Bretanha. As correntes sindicais de esquerda devem estar preparadas para apoiar os movimentos de greve iminente, incluindo as greves 'não oficiais' e as lutas contra as leis racistas e antimuçulmanas de imigração, além das leis "antiterror". Aqueles que querem dar liderança à classe só podem fazê-lo através da construção de movimentos por princípio internacionalistas na classe operária. Eles têm que construir o movimento de desempregados nas comunidades e sindicatos e defender todos os trabalhadores.
Os planos de austeridade são paralelos ao “poll tax” (cobrança de Thatcher de um imposto comunitário a todos os trabalhadores), já que eles vão atacar todos os setores dos trabalhadores, ao mesmo tempo. Como a luta anti-“poll tax”, em 1990, dos mineiros, em 1985, e dos estivadores, em 1997, não há dúvida de que haverá uma luta tremenda em uma situação nova, onde as convulsões internacionais serão ampliadas em um capitalismo britânico cada vez mais decadente.
Em maio, o Financial Times informou que a dívida terá de ser paga novamente em 50 bilhões de libras por ano, por muitos anos, e que o governo terá de enfrentar o desafio político. Sem sombra de dúvidas, eles estão olhando para a Grécia. Estamos entrando em tempos interessantes e voláteis, na medida em que todas as promessas do pós-guerra estão prestes a ruir, como o estado do bem-estar social, graças aos movimentos de massas dos trabalhadores britânicos, que obrigaram o capitalismo a ceder.
O período de recessão, com seus fluxos e refluxos, impulsionado pela evolução da situação internacional e pelo papel da Grã-Bretanha no mundo, abre um período revolucionário. Na superfície, a Grã-Bretanha parece muito longe disso, mas basear um prognóstico nos acontecimentos aparentes seria cair no velho inimigo do marxismo, o empirismo britânico. A mensagem para a classe operária foi colocada audaciosamente nas muralhas da Acrópole, na Grécia: "povos da Europa, levantam-se!”.
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