sábado, 18 de junho de 2011

Dilma, Palocci e a volta das mobilizações sociais

Dilma, Palocci e a volta das mobilizações sociais

"Bombeiros, metalúrgicos, professores... As greves e os protestos estão de volta, junto com uma sensação de que algo não vai bem no país"

Há muita discussão na imprensa sobre as possibilidades de sucesso da operação realizada pela presidenta Dilma para livrar-se do imbróglio Palocci e, ao mesmo tempo, da inoperância dos responsáveis por sua articulação política. Vai ser preciso esperar um pouco para se ter uma ideia mais precisa dos resultados. Em princípio, parece que as medidas tomadas amenizam a crise, de fato. Mas é muito pouco provável que o governo volte a ter a mesma força de antes, que foi exibida triunfalmente na votação do salário mínimo no Congresso. Dilma já está muito mais refém dos humores (e interesses) de sua base parlamentar. Será, portanto, um governo mais fraco do que antes.

Mas, além dos problemas nas relações do governo com sua base aliada ou com a oposição de direita no Congresso Nacional, há outro fenômeno que vem ganhando espaço na conjuntura política. É o processo crescente de lutas sociais, de greves e mobilizações dos trabalhadores e setores oprimidos da sociedade.

O elemento mais visível desse fenômeno é a luta dos bombeiros do Rio de Janeiro. Eles se rebelaram contra o governador Sergio Cabral, pelo salário de fome que ele paga ao setor e pela truculência, digna de um ditador, com que reagiu à pressão legítima dos bombeiros pelo atendimento de suas reivindicações. Essa luta, por si só, é na verdade a ponta de um verdadeiro iceberg, do descontentamento dos bombeiros e policiais civis e militares de todo o País, que lutam pela aprovação da PEC 300, que estabeleceria um piso salarial digno para o setor. Essa PEC não foi votada ainda no Congresso por obstrução do governo federal. Tudo indica que esse processo está longe do seu final. As mobilizações de policiais devem crescer pelo país e podem herdar a combatividade demonstrada pelos bombeiros cariocas.

A greve da Volkswagen do Paraná, que durou quase 40 dias e arrancou uma vitória importante para os trabalhadores, é expressão não só de inúmeras greves que vêm ocorrendo no setor industrial em várias regiões. Representa também a radicalização dos que têm ido à luta em defesa dos seus interesses. Radicalização que já se anunciava com a rebelião dos operários da construção civil nas obras de Jirau, em Rondônia. E que pudemos verificar na greve dos trabalhadores da construção civil de Fortaleza ocorrida no final de abril; na greve das empreiteiras que trabalham na área da Petrobrás na Baixada Santista no mês passado. Ambas também terminaram com vitórias importantes para os trabalhadores.

Com estas, ocorreram inúmeras greves em indústrias nas últimas semanas. Na Volvo e na Peugeot, no Paraná; na General Motors e em mais cinco ou seis fábricas em São José dos Campos; na Honda e em mais quatro ou cinco fábricas na região de Campinas; em várias fábricas metalúrgicas na região de São Paulo (capital); na Mina Casa de Pedra, da CSN em Congonhas (MG); na Monsanto, em Jacareí; na CPTM, em São Paulo; dos motoristas do ABC, e assim poderíamos citar uma imensa lista de mobilizações.

No serviço público, temos um amplo processo de mobilização em curso no setor da educação, em praticamente todos os estados. Já houve greves dos professores do ensino médio em cerca de 20 estados. Outras greves neste setor estão começando nesta semana. Há greves de servidores municipais em dezenas de municípios, tendência crescente com a pauperização também crescente dos municípios, que não conseguem dar conta de suas obrigações como empregador. Os servidores da União estão em plena campanha de mobilização, cujas reivindicações vão desde aumento salarial até a exigência de que o governo retire do Congresso projetos como o PL 549 (que congela os salários do funcionalismo por dez anos) e outros que atacam seus direitos. Os servidores técnico-administrativos das universidades federais já se encontram em greve. Outros setores devem entrar nos próximos dias. Haverá manifestação nacional do funcionalismo federal, nesta semana, em Brasília. Também mobilização em vários estados promovidas pelos trabalhadores na educação.

No âmbito dos movimentos populares, de luta por moradia e por uma reforma urbana que atenda aos interesses da maioria, e não da especulação imobiliária, prepara-se grandes enfrentamentos para o futuro próximo. Seguirão ocorrendo ocupações de terrenos nas cidades como parte da luta para obrigar o Estado a cumprir sua função constitucional e garantir moradia digna ao povo pobre (direito de todos e dever do Estado, conforme nossa Constituição Federal). E terão uma dimensão, também importante, as lutas contra as remoções de comunidades que estão planejadas (algumas já sendo realizadas) para favorecer as grandes obras da Copa e das Olimpíadas (e, obviamente, os interesses das empreiteiras e da especulação imobiliária). Importante ressaltar mobilizações contra a opressão e a discriminação, que também avançam, seja da parte dos quilombolas que vão à luta (veja situação no Maranhão), seja na luta contra a homofobia e o machismo.

No campo, os assassinatos ocorridos no norte do país recentemente estão aí a demonstrar que a total inoperância do governo na realização da reforma agrária vai seguir cobrando seu preço. Muitas vezes com vidas humanas. A juventude começa de novo a levantar-se. Às vezes na luta contra os preços abusivos do transporte, às vezes por melhor qualidade do ensino nas universidades públicas, ou contra o aumento das mensalidades nas universidades privadas. De acordo com organizações do setor, o segundo semestre promete muita mobilização.

Trata-se de um processo de mobilizações ainda fragmentado, mas que avança, apesar do bloqueio oferecido por algumas centrais sindicais mais afinadas com o governo do que com a base que deveria representar. As reivindicações que embalam esse processo são essencialmente econômicas, não batem necessariamente contra o governo. Mas se segue e se desenvolve, necessariamente vai colocar em xeque a política econômica do governo. Esta política tem se caracterizado pelos cortes de gastos no financiamento das políticas sociais para aumentar o repasse de recursos públicos para o grande capital, seja através do pagamento da dívida pública (que deve atingir este ano o montante recorde de cerca de 40% do Orçamento da União, de acordo com dados da Auditoria Cidadã da Dívida Pública), seja através de incentivos ou isenções fiscais a setores do empresariado.

Agora, com o ressurgimento da inflação, as políticas desenvolvidas pelo governo Dilma atuam para aumentar ainda mais o arrocho dos salários dos trabalhadores, como se estivesse aí o motivo do crescimento inflacionário. Ou seja, a mensagem é clara: há sim, crescimento da economia brasileira, mas não é para todos, é apenas para aumentar os lucros dos bancos e das grandes empresas. Em que momento os trabalhadores vão entender isso, teremos de esperar para ver. Mas a iminência das campanhas salariais de batalhões pesados da classe trabalhadora brasileira, como os metalúrgicos de São Paulo e Minas Gerais, os bancários de todo o país, petroleiros, categorias nacionais como Correios, entre outras, vão, sem dúvida, aguçar essas contradições.

Somemos a isso tudo outro componente da realidade política do país que ainda se apresenta de forma muito difusa: um certo descontentamento que vem tomando conta das pessoas de forma geral. Descontentamento que tem múltiplas razões, não surge necessariamente contra o governo (pelo contrário, as últimas pesquisas mostram apoio grande ao governo Dilma). As vezes, é contra a situação do transporte, da saúde, dos hospitais e da educação pública. O que, senão esse descontentamento latente com a situação da educação pública, pode explicar a repercussão da fala da professora Amanda Gurgel, em audiência pública na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte? Descontentamento com o salário baixo, com a precarização do trabalho, a falta de segurança, o ritmo e as péssimas condições de trabalho, com o aumento dos preços dos alimentos...

Nada disso se volta automaticamente contra o governo. Mas, se alguma coisa levar à identificação dos motivos do descontentamento de cada um, com as ações do governo federal, poderemos ter uma mudança no quadro político. Lembremos que o governo Sergio Cabral, do Rio de Janeiro, navegava em apoio popular recorde, depois das operações policiais nos morros e comunidades do Rio. Hoje, enfrenta repúdio generalizado da população devido à sua política em relação aos bombeiros. O que aconteceu foi que a mobilização dos bombeiros catalisou o descontentamento das pessoas contra coisas que afligem sua vida, e acabou canalizando esse descontentamento contra o governo Cabral (com justiça, aliás, pois o governo do estado tem responsabilidade pelo caos da saúde no estado, pela situação do transporte, por não ter sido construída, ainda, nenhuma casa para os desabrigados da região serrana do Rio, e um longo etc). Não há dúvida de que um dos elementos que criaram as condições para a forte greve dos professores do estado do Rio que começou na quarta-feira, 8, foi a solidariedade aos bombeiros.

A conclusão é que há melhores condições neste momento para se combater as políticas econômicas do governo. Para impedir as privatizações dos aeroportos, a continuidade da entrega do petróleo do nosso país para empresas privadas e estrangeiras (está marcado novo leilão de reservas para setembro), para impedir o corte dos gastos em políticas sociais, para lutar contra o arrocho salarial, contra a eliminação de direitos trabalhistas e previdenciários, para defender a valorização dos serviços e servidores públicos, para lutar pela aplicação imediata do piso nacional dos professores com 1/3 da jornada em extra-classe (sem abrir mão da reivindicação histórica que é o salário mínimo do DIEESE), moradia digna, saúde, entre outras demandas.

O desafio é buscar a superação da fragmentação que caracteriza os processos de mobilização em curso. É preciso construir um fio condutor, um sentido comum entre eles, unindo os processos em uma mobilização nacional, com força suficiente para incidir no cenário político e pressionar o governo por mudanças. Isso exige e implica também a necessidade de definirmos uma plataforma, um conjunto de bandeiras que responda às demandas de cada setor e ao mesmo tempo aponte as mudanças necessárias nas políticas ora adotadas no país, para que a vida das pessoas (e não o lucro das empresas) possa melhorar, com o crescimento do país.

Do ponto de vista da classe trabalhadora, essa é a tarefa mais importante no momento. E há esforços neste sentido, partindo de vários setores organizados do movimento sindical e popular do país. Fala-se de jornadas crescentes e unificadas de luta. Se esse esforço obtiver sucesso, o governo Dilma pode acabar ficando com saudades da crise gerada pelo caso Palocci.


* Presidente Nacional do PSTU, é dirigente sindical metalúrgico e integra a Secretaria Executiva Nacional da CSP-Conlutas.

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